Prisão deve ser último recurso do Estado contra criminalidade
Não é de hoje que o caos e as mazelas do sistema
carcerário brasileiro são notórios e de conhecimento público, o que por si só
dispensa provas. Inúmeros mutirões, censos e forças tarefas já foram realizados
para chegar à conclusão sabida por todos: o sistema carcerário brasileiro está
falido. Falido, o mesmo que arruinado, arrasado, demolido, desmantelado e etc.
Deste modo, é necessário que um novo modelo seja pensado sem as amarras e
vícios do atual sistema penitenciário.
No que se refere ao problema da superpopulação
carcerária é preciso destacar que entre 1995 e 2005 a população carcerária do
Brasil saltou de 148 mil presos para 361.402, um crescimento de 143,91% em uma
década. Hoje a população carcerária está em torno de 550 mil presos, 274 presos
para cada cem mil habitantes. O Brasil, em números absolutos, possui a 4ª maior
população carcerária do planeta, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, China
e Rússia. O déficit carcerário está próximo de 250 mil vagas. A situação se
agrava com a entrada em média de 3 mil novos presos por mês no sistema
carcerário. Aspecto que, também, contribui muito para este caos é o número de
presos provisórios, ou seja, que não foram condenados definitivamente por uma
sentença transitada em julgado. Infelizmente, as prisões provisórias (prisão
temporária, prisão preventiva e etc.) que deveriam ser uma exceção se
transformaram em regra em flagrante violação ao princípio constitucional da não
culpabilidade ou da presunção de inocência.
Sem pretender justificar, mas tão somente tentar
explicar, as situações em que o preso é tratado como animal nocivo e colocado
em lugares mórbidos, fétidos e cruéis levam inevitavelmente a reações como as
que vêm ocorrendo, por exemplo, em São Luis do Maranhão.
Como bem observa Maria Lúcia Karam “grande parte destes homicídios
brutais, entre os próprios presos, nasce da convivência forçada, que faz com
que qualquer incidente, qualquer divergência, qualquer desentendimento,
qualquer antipatia, qualquer dificuldade de relacionamento, assumam proporções
insuportáveis. O desgaste da convivência entre pessoas, que, eventualmente, não
se entendam, aqui é inevitável. As pessoas que não se ajustam, os inimigos são
obrigados a se ver todos os dias, a ocupar o mesmo espaço, o que,
evidentemente, acirra os ânimos, eleva a tensão, exacerba os sentimentos de
ódio, levando, muitas vezes, a que um preso mate outro, por motivos
aparentemente sem importância”
(KARAM, Maria Lúcia. Dos crimes, penas e fantasias)
Não se pode olvidar do caráter fragmentário e
subsidiário do direito penal e de que a pena somente deve ser aplicada como ultima ratio, como remédio sancionador extremo. De tal modo, é
necessário, cada vez mais, buscar alternativas à falida e exaurida pena
privativa de liberdade, reservando esta apenas, e tão somente, para os casos
extremos, de ataques a bens jurídicos essenciais à vida e à sociedade. É
forçoso que se entenda, de uma ver por todas, que punição não é sinônimo de
prisão e que existem inúmeros casos em que esta pode ser substituída por outra
pena que não pela ultrapassada pena de privação da liberdade.
Contudo, é comum encontrarmos nas prisões
brasileiras pessoas que foram condenadas por crimes de bagatela ou por tráfico
de drogas, em razão da má aplicação da lei de drogas que, também, não distingue
como deveria o referido crime. Hoje, cerca de 1/5 da população carcerária é de pessoas
condenadas por “tráfico” de drogas. Ocorre que a maioria destas pessoas, na
verdade, não passam de meros usuários ou pequenos “traficantes” que muitas
vezes sem intenção de lucro ou de meio para sua subsistência cedem pequena
quantidade de droga a terceiros. Só aí, temos em torno de 40 mil pessoas que
poderiam estar cumprindo suas penas fora da prisão.
Nunca é demais advertir que as penas restritivas de
direitos apresentam inúmeras vantagens em relação às penas privativas de
liberdade, como por exemplo, a redução do alarmante índice de reincidência,
cerca de 70% em relação aos que cumprem pena privativa de liberdade e menos de
5% dentre aqueles que tiveram sua pena privativa de liberdade substituída pela
pena restritiva de direitos. Isto para não falar dos reconhecidos males da
prisão como universidade do crime e fábrica de delinquentes.
E para os que só pensam em economia é bom lembrar
que o custo das penas restritivas de direitos para a sociedade é infinitamente
menor do que o de manter uma pessoa presa por vários anos.
Repita-se, a prisão deve ser o último recurso do
Estado na contenção da criminalidade e, mesmo assim, somente empregada para
casos extremados onde não há outro remédio, menos danoso, para o individuo e
para a sociedade. Enquanto o Estado e a sociedade não entenderem desta forma,
situação como a que ocorreu no estado do Maranhão e que vem se repetindo ao
longo dos anos será inevitável.
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